quinta-feira, 27 de maio de 2010

De lua


Eu queria falar de coisa bonita. De planta, de flor, de céu. De coisa que a gente está acostumado a ver e a não perceber. De lua, de mar, daquele pedaço de mar encostado na areia. De lua, aquela que eu sempre procuro acima de mim. Mesmo embaçada clareia. Meu pai diz que ela vive correndo atrás da gente quando a gente viaja. Quando eu era pequena realmente acreditava. Hoje não, porque agora eu “analiso” antes de acreditar de qualquer jeito. Mas “perco tempo” imaginando a lua correndo atrás da gente, acima do carro, lá no alto do céu. Atrás dos morros, em paralelo aos fios dos postes, ao lado dela como corrimão. Atrás das casas, das altas e das baixas. Tenho o hábito de procurá-la. Procura-la lá. No céu. Não gosto de procurar nada, talvez goste de procurar a lua por já saber onde ela está. E a cada dia está diferente: clarinha num domingo após o meio dia, encarando de longe o sol; amarela em noite azul-marinho, intensa, formando o mais acentuado contraste das cores; sorrindo crescente em noite clara; redonda e baixa em noite com nuvens...Ela está sempre lá. Mesmo nova. Quando não está, está só se escondendo. Está só, se escondendo.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Consulta

"A coisa melhó qui tem pra tê é plano de saúde. A pessoa vai lá quando tá duenti (e até quando num tá), vai naquela sala (é consultório que chama), e no lugar onde a gente ispera tem um monte de revista de gente famosa pra vê. Quando a genti entra, o médico pergunta o seu nome, pede pra você abrir a boca e coloca um palitinho láa dentro. Mas ele logo tira, ele qué vê não sei o quê lá dentro. Ele pergunta o que você tá sentindo, depois até ouve seu coração; diz que se a pessoa tá apaixonada o coração bate mais rápido (...) Depois pedi pra você dizer uns números... Na vez que eu fui o dotô pidiu pra eu falar trintetreis. Deve ser porque é a idade de Cristo né? Falar nisso eu quiria está sempre novinha assim, quiria tê continuado com trintetreis... Ah, meus trintetreis! Num era nem mocinha, nem senhora. Tava com tudo em cima e toda prosa! Já cunhecia as coisar boar da vida, já tinha as crianças, mas era tudo piquinininho. Faziam o que a gente mandava. Num tinha esse negoço de independência, não! Que hoje tem, e vai um monte de gente falar disso na televisão. Criança era criança e pronto. Mas de quê que eu tava falando mesmo hein? Ah, dos doutore! É. Coisa boa mesmo, menina! Plano de saúde é bom, bom... Eles te tratam como pessoa. Não é qui nem essir lugare que a gente vai, não. Nessir lugare o dotô nem olha pra sua cara e já sabe o qui você tem! Consulta... É, acho que qualqué dia desses vô marcá uma pra mim. Porque a gente não tem plano de saúde né? Vô tê qui pagá! Purisso é que eu falo: coisa boa mermo é ter plano de saúde..."

quinta-feira, 6 de maio de 2010

De um observatório distante

Há uma semana ela dizia que eram feitos um para o outro. Eram fotografias, declarações, plágios musicais, coisas de amor. Passaram dias e as coisas foram desaparecendo. As gaivotas tomaram rumos além do horizonte. Talvez ele estivesse ocupado com esquadros e plantas. Talvez ela estivesse pré-ocupada com burocracias e papéis. Com papéis de xerox, com coeficientes de rendimento, com coisas que não dissessem respeito ao mundo dos dois. E parece que o mundo dos dois agora era separado. A retrospectiva do tempo que passaram juntos agora faz parte de um passado aproveitado e com pouca relevância presente; momentos que trouxeram alegrias, concretas e abstratas, e agora trazem lembranças agradáveis e angustiantes de ter acabado. Momentos que, para recordar, trouxeram fotos. Mas agora, no cotidiano da lembrança não trazem mais fatos.